No dia 1º de setembro deste ano o governo de Jair Bolsonaro (PL) sofreu uma derrota no Senado, quando foi rejeitada a proposta de uma nova reforma trabalhista que criava novas formas de contratação de jovens e vagas sem direito a férias, 13º salário e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Mas o governo não desiste e vai tentar, mais uma vez, passar outro saco de maldades contra os trabalhadores e trabalhadoras (veja detalhes abaixo).
Como se já não bastasse a reforma trabalhista de 2017, que retirou mais de 100 direitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promovida por Michel Temer (MDB-SP), com a promessa de criar milhões de empregos.
Quatro anos depois da reforma de Temer, porém, temos como resultado mais de 13 milhões de brasileiros desempregados e 73,2 milhões de trabalhadores sem direito algum (37 milhões de informais, 25,4 milhões que trabalham por conta própria e 10,8 milhões trabalhando sem carteira assinada).
“O golpe do Temer contra a presidente Dilma foi para isso mesmo, o Temer se aliou com a direita para fazer essa reforma que tirou os direitos dos trabalhadores e só favoreceu os empresários”, disse o presidente do Sindivigilantes do Sul, Loreni Dias.
“Por isso trabalhador tem que votar em trabalhador, porque se votar nos candidatos dos empresários o resultado é este, eles fazem reformas contra os próprios trabalhadores”, completou Dias.
Grupo do Ministério do Trabalho fez propostas
Mas neste governo tudo pode piorar e o Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET), criado pelo Ministério do Trabalho e Previdência, acaba de fazer um “relatório” propondo várias mudanças para uma nova reforma trabalhista, que só prejudicam os trabalhadores em favor dos patrões.
O grupo é composto por ministros do governo, desembargadores e juízes da justiça do trabalho, procuradores, economistas, pesquisadores, advogados das empresas, mas não tem qualquer participação de sindicatos e representantes dos trabalhadores.
330 alterações na legislação
As 262 páginas do documento entregue ao Conselho Nacional do Trabalho, no final de novembro, trazem pelo menos 330 alterações em dispositivos legais, a inclusão de 110 regras, alteração de 180 e revogação de 40. Mas não há uma única linha, artigo ou sequer uma vírgula que proteja o trabalhador.
Para o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, as mudanças propostas são mais uma tentativa de Bolsonaro de impor os temas contidos nas Medidas Provisórias (MPs) que o Congresso Nacional já rejeitou.
“É um programa que visa explorar o trabalhador e destruir os postos de trabalho de qualidade. Querem aprovar isso sem passar pelo debate com a sociedade, com os sindicatos e os trabalhadores. A CUT e as centrais sindicais não concordam em nada com essa proposta patronal”, diz o dirigente.
“É a versão dos empresários e do governo, querendo enriquecer mais ao custo de suor e lágrimas dos trabalhadores”, completou.
As maldades contidas na proposta
José Eymard Loguércio , do escritório LBS Advogados que atende a CUT Nacional, analisou algumas das mudanças que estão propondo e que atingem diretamente os direitos dos trabalhadores.
1 – Libera o trabalho aos domingos
Como é hoje: A Constituição diz que o descanso semanal é preferencialmente aos domingos, o que sempre a legislação brasileira levou em consideração. Há setores como comércio, saúde e transporte e atividades consideradas essenciais, entre outros, que já tem regulamentado o trabalho aos domingos, mas o trabalhador tem direito ao descanso neste dia a cada três semanas (uma vez por mês, ao menos) e para as mulheres a cada duas semanas, como no caso do comércio ou dependendo da atividade.
É uma escala para que seja respeitado o direito do trabalhador a passar um domingo em família.
Como ficaria: A proposta do GAET libera o trabalho aos domingos para todas as atividades, sem necessidade de autorização ou de negociação coletiva.
O jornal Folha de São Paulo publicou que o tal grupo propõe uma mudança no artigo 67 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), de modo que fique estabelecido que “não há vedação ao trabalho em domingos, desde que ao menos uma folga a cada sete semanas do empregado recaia nesse dia”, ou seja, o trabalhador teria apenas um domingo de folga a cada dois meses.
2- Proíbe trabalhador de aplicativo de ser CLT
Uma das maldades contidas na proposta é que literalmente proíbe motoristas, entregadores e outros profissionais que trabalham por aplicativo de ter os mesmos direitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com isso, o trabalhador ficaria sem direito ao 13º, férias, descanso remunerado, FGTS e outros benefícios.
Como é hoje: Atualmente a Justiça do Trabalho tem dado ganho de causa em muitas ações de motoristas e entregadores que pedem vínculo empregatício com empresas de plataformas digitais como Uber, Ifood, etc.
Como ficaria: A proibição do trabalhador de ter direitos garantidos pela CLT pode ser estendida para além de motoristas e entregadores a qualquer profissional que atue em empresa de plataforma.
“ Hoje existem também aplicativos para jornalistas, arquitetos, advogados e outras profissões. Qualquer um pode se encaixar nesse critério. Aqui é o inverso do que outros países como Espanha e Inglaterra, que têm reconhecido esse trabalhador como assalariado”, ressalta o advogado.
3- Dívidas trabalhistas
Como é hoje: Sócios de empresas que não pagam direitos trabalhistas e perdem ações na Justiça podem ter seus bens bloqueados até a quitação da dívida. A Constituição reconhece que o crédito do empregado é de natureza salarial.
Como ficaria: A proposta de reforma isenta ou dificulta a responsabilidade do sócio, cabendo ao trabalhador demonstrar que houve fraude, o que é difícil comprovar. Neste caso, a proposta dificulta o acesso aos bens de qualquer sócio da empresa, inclusive o majoritário;
“O que vai acontecer ao longo do tempo é o aumento de calotes de crédito trabalhista. Determinadas faixas de empresas, sobretudo nas terceirizadas, que quando terminam seus contratos simplesmente não pagam suas dívidas junto ao trabalhador”, explica Eymard.
4- Covid-19 deixa de ser doença do trabalho
Como é hoje: O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a proposta do governo de não considerar a covid-19 como doença do trabalho.
Como ficaria: A proposta volta à tona com a desculpa de que muita empresa está sendo demandada na justiça, com criação de passível trabalhista.
“ Isto significa mais dificuldade do trabalhador receber seus benefícios , principalmente os que tiveram sequelas mais longas ao contrair a doença”, diz Eymard.
5 – Legaliza o locaute, que hoje é proibido
Locaute é a possibilidade de uma empresa parar sua atividade para conseguir atingir suas reivindicações. Um exemplo foi a “greve dos caminhoneiros” , em maio de 2018, o que para muitos foi locaute – paralisação dos donos de transportadoras .
O locaute permite que uma empresa feche até mesmo para pressionar os seus trabalhadores a aceitar alguma condição de trabalho, e ainda pressionar o governo a atender as reivindicações dos empresários.
Como é hoje: Totalmente proibido
Segundo o advogado da CUT Nacional, o absurdo da proposta é equiparar a greve ao locaute.
“ A greve é um instrumento para que os trabalhadores possam ter melhores condições de negociar seus direitos. O locaute não é direito, é uma medida de coação, de instrumentos das empresas”, diz Eymard.
O advogado ressalta ainda que muitas empresas transacionais são mais poderosas que muitos países, como o Facebook, por exemplo.
“Não tem paralelo em nenhum lugar do mundo o locaute ser reconhecido como direito equiparado à greve”, afirma Eymard.
6- Fiscalização trabalhista
Mais uma vez o governo de Jair Bolsonaro (PL) tenta impedir a fiscalização do trabalho. Nessa semana, durante evento, o presidente da República chegou a criticar as ações de fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT), ao chamar de exagero as condições em que o órgão considera trabalho escravo.
Como é hoje: A Justiça do Trabalho pode além de decidir se a greve é legal ou não, mediar negociações entre patrões e empregados durante uma greve e ainda decidir percentuais de reajuste e benefícios a serem concedidos
Para agradar o empresariado, a proposta do GAET é de que a Justiça do Trabalho apenas tenha poder para considerar uma greve legal, ou ilegal, mas a proíbe de conceder qualquer benefício ou reajuste ao trabalhador.
7- Teletrabalho por demanda
O teletrabalho tem limite de jornada, de acordo com a Constituição. A proposta desvincula o conceito de jornada, e inclui o trabalho por demanda. Ou seja, o trabalhador terá de cumprir as tarefas designadas por sua chefia, independentemente de ultrapassar as oito horas diárias e não terá direito a hora extra. É a legalização a escravidão digital.
Não tem nada de bom neste pacote. São 300 itens de maldades. Só dá segurança às empresas operarem, sem nenhuma segurança jurídica ao trabalhador.
Outras propostas
A imprensa divulgou também as seguintes propostas do grupo do governo:
– Responsabilização do empregado, quando treinado e equipado, pela falta de uso do equipamento de proteção individual em caso de acidente de trabalho
– Previsão de teste de gravidez antes da dispensa da trabalhadora mulher
– Ajustes nas regras do trabalho intermitente
– Limitação da chamada substituição processual aos associados de um sindicato
– Quitação de acordo extrajudicial seria completa, e o juiz, proibido de homologá-lo parcialmente
– Indenização por danos morais com o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social como parâmetro, em vez do salário do trabalhador, como previa a reforma de 2017.
– Aplicação do IPCA-E em vez da TR, como previa a reforma de 2017, ou da Selic em correção monetária
– Aplicação de leis trabalhistas novas aos contratos vigentes a fim de evitar questionamentos como os feitos em relação à reforma de 2017
– Liberdade sindical ampla, proposta por meio de PEC
– Descartar como obrigatório o uso dos conceitos de categorias e sistema confederativo para conceituação de sindicatos
– Admitir sindicatos por empresa ou setor produtivo.
Fontes: CUT Brasil e Contábeis, com informações da Folha de São Paulo.